terça-feira, 10 de junho de 2008

O Objetivo da Guerra

DA GUERRA
Autor: Carl Von Clausewitz
Livro I: A Natureza da Guerra
CAPÍTULO II
O fim e os meios na guerra


O capítulo anterior iniciou-nos na natureza complexa e variável da guerra; examinemos agora como é que essa complexidade se reper­cute sobre o fim e os meios da guerra.

Se, antes de mais, nos perguntarmos qual o objectivo para que deve tender qualquer guerra, para que constitua o melhor meio de alcançar o seu fim político, damos conta de que esse objectivo é tão variável quanto o objectivo político e quanto as conjunturas particulares da guerra.

Se começarmos por nos apoiar, uma vez mais, no puro conceito de guerra, somos obrigados a dizer que, na realidade, o objectivo político da guerra não é do seu domínio; pois se a guerra é um acto de violência destinado a forçar o inimigo a executar a nossa vontade, então tudo se reduziria sempre e exclusivamente ao facto de ven­cer o inimigo, isto é, ao seu desarmamento. Ë este objectivo que emana do conceito mas do qual se aproximam, na realidade, grande número de casos que examinaremos em primeiro lugar e à luz da realidade.

Mais adiante, quando abordarmos o plano de guerra, examinaremos mais de perto o que significa desarmar um Estado; todavia, é preciso distinguir de imediato três coisas que, como questões de conjunto, englobam tudo o mais. Elas são: as forças militares, o terri­tório fe a vontade do inimigo.

É preciso destruir as forças militares. O que significa que estas têm de ser colocadas em tais condições que se tornem incapazes de prosseguir o combate. Precisemos que, daqui para diante, a expres­são «destruição das forças militares do inimigo» terá de ser entendida neste sentido.

É preciso conquistar o território, pois poder-se-ia constituir dentro dele uma nova força militar.

A realização de ambas as coisas não significa o fim da guerra, isto é, o fim das tensões hostis e das operações hostis, enquanto a vontade do inimigo não tiver sido igualmente jugulada, ou seja, enquanto o seu governo e aliados não estiverem decididos a assinar a paz ou o seu povo não se submeter. Porque, mesmo quando nos apoderarmos do país inteiro, o conflito pode ressurgir no interior, ou por acção dos aliados. Isto, evidentemente, também pode produ­zir-se uma vez firmada a paz; mas tal provaria apenas que há guerras que não comportam decisões e solução perfeitas. Mesmo neste caso, a conclusão da paz apaga sempre, por si mesma, numerosos focos que teriam continuado em estado latente, e as tensões abrandam, porque os que se inclinam para a paz — sempre numerosos em qual­quer circunstância — se desviam completamente da ideia de resis­tência. Seja como for, é preciso considerar sempre que a paz é um limite que põe um termo aos assuntos de guerra.

Dos três elementos que acabamos de enumerar, são as forças militares que se destinam a defender o país; portanto, seguindo a ordem natural, são elas que é preciso destruir em primeiro lugar; em seguida, é o território que deverá ser conquistado; na sequência destes dois êxitos, e segundo as forças de que disporemos ainda nesse momento, o inimigo será então constrangido a assinar a paz. A des­truição das forças militares inimigas opera-se gradualmente, condu­zindo imediatamente e a um ritmo correspondente à conquista do território. Geralmente os dois factos reagem um sobre o outro, vindo a perda das províncias a acentuar o enfraquecimento das forças militares. Mas esta ordem de sucessão não é de modo nenhum impo-sitiva; e também não se produz sempre. Mesmo antes de serem par­ticularmente enfraquecidas, as forças inimigas podem retirar-se para a outra extremidade do país, ou mesmo pura e simplesmente para território estrangeiro. Neste caso, a maior parte do país, até mesmo o país inteiro, será conquistada.

Todavia, este objectivo da guerra abstracta, este último meio para atingir o objectivo político, que engloba todos os outros, ou seja o desarmamento do inimigo, nem sempre se produz na prática, e não é uma condição necessária da paz. Não pode, por isso, de maneira nenhuma, ser erigido em lei, na teoria. Existem inúmeros exemplos de tratados de paz concluídos antes que uma ou outra parte possa ter sido considerada como desarmada, antes mesmo que o equilíbrio das forças tenha sido consideravelmente alterado. Melhor ainda: quando se examinam os factos reais apercebemo-nos de que existe toda uma categoria de exemplos em que a derrota do inimigo não corresponde senão a um inútil jogo do espírito, e é esse o caso quando o inimigo dispõe de uma superioridade incontestável.

A razão pela qual o objectivo da guerra, deduzido do seu con­ceito, nem sempre se adapta à guerra real, reside na diferença entre uma e outra, de que já nos ocupámos no capítulo anterior. Segundo o seu puro conceito, qualquer guerra entre Estados cujas forças apre­sentem uma desigualdade notável surgiria como um absurdo e, por­tanto, como uma impossibilidade. A desigualdade de forças físicas não deverá ultrapassar o nível em que possa ser contrabalançada pelas forças morais, o.que, nas condições sociais da Europa actual, não iria muito longe. Se existiram guerras entre Estados de potência desigual, isso deve-se ao facto de que, na realidade, a guerra se afasta frequentemente do seu conceito original.

Na realidade, há duas coisas que podem substituir a impossi­bilidade de resistir e de fornecer motivos para a paz. Em primeiro lugar é a improbabilidade do êxito e, em seguida, o preço excessivo — que é necessário pagar.

Como acabámos de ver no capítulo anterior, a guerra, no seu conjunto, tem de libertar-se da estrita lei da necessidade interna e ater-se a um cálculo de probabilidades. Quanto mais ela se presta a esse cálculo na sequência das circunstâncias que lhe deram origem, tanto mais isto é verdadeiro, ou seja, tanto mais fracos são os motivos e as tensões existentes. Sendo assim, pode muito bem pensar-se que esse mesmo cálculo de probabilidades virá a transformar-se num motivo de paz. Portanto, nem sempre é necessário combater até que um dos campos seja aniquilado, e pode conceber-se uma situação em que os motivos e as tensões sejam tão fracos que a menor proba­bilidade, apenas perceptível, basta para decidir o campo a que ela é desfavorável a ceder. Ora, se o outro está antecipadamente persua­dido, é natural que todos os seus esforços tendam para fazer preva­lecer esta probabilidade, sem sequer tentar um desvio pela via da derrota completa do inimigo.

A consideração que, de uma maneira ainda mais geral, pesa na decisão de fazer a paz, consiste no dispêndio de forças já sofrido e no que estará para ser feito. Não sendo a guerra um acto cego de paixão, mas um acto dominado por um desígnio político, o valor desse desígnio determinará a amplitude dos sacrifícios necessários à sua realização. Isso tanto é válido no que se refere à extensão dos sacrifícios como à sua duração. Desde que os dispêndios de força se tornem tão grandes que já não correspondam ao valor do objec­tivo político, é necessário abandonar esse objectivo e assinar a paz. Isso demonstra que nas guerras em que um dos campos é incapaz de desarmar completamente o outro os motivos de paz surgirão e desaparecerão nos dois campos, em função da probabilidade de futuros êxitos e do necessário dispêndio de forças. Se esses motivos fossem de igual peso de ambos os lados, encontrar-se-iam no centro da sua diferença política. A força que, por um lado, adquirem, per­dem-na pelo outro. Enquanto a sua soma adicionada for suficiente, a paz estará assegurada; em favor, naturalmente, do campo cujos motivos de paz são os mais fracos.

De momento, passamos deliberadamente em silêncio a diferença que o carácter positivo ou negativo do desígnio político faz surgir na prática. Ainda que isso seja da mais alta importância, conforme iremos demonstrar em seguida, temos de nos contentar, aqui, com um ponto de vista mais geral, pois as intenções políticas iniciais alteram-se muito no decurso da guerra e no fim podem tornar-se completamente diferentes, precisamente porque, em parte, elas são determinadas pelo êxito e pêlos resultados prováveis.

Como se poderá exercer uma influência sobre a probabilidade do êxito? É a pergunta que se põe neste momento. Em primeiro lugar, naturalmente pêlos mesmos meios que servem para vencer o inimigo, ou seja, a destruição das suas forças militares e a conquista das suas províncias, ainda que nem um nem outro desses meios sejam exactamente o mesmo, a não ser quando servem o primeiro objectivo. O ataque dirigido contra as forças inimigas é bastante diferente con­forme nos propusermos fazer seguir o primeiro golpe duma série de outros, até que tudo esteja destruído, ou decidirmos contentar-nos com uma só vitória destinada a quebrar o sentimento de segurança do inimigo, a fazer-lhe sentir a nossa superioridade e a inspirar-lhe apreensão pelo futuro. Se tal é nossa intenção, o preço que pagamos para a destruição das suas forças armadas não ultrapassará esta neces­sidade. Do mesmo modo, a conquista das províncias inimigas far-se-á dentro de limites completamente diferentes, caso ela não vise a derrota do inimigo. Se é essa derrota que pretendemos, a acção realmente eficaz seria a destruição dos seus recursos e a conquista das provín­cias não seria senão a consequência. Realizada antes que as forças inimigas tenham sido derrotadas, esta conquista não passará nunca dum mal necessário. Pelo contrário, se a nossa intenção não é a de vencer as forças inimigas, e se estamos convencidos de que o inimigo não procura mais, pelo contrário, receia a decisão sangrenta, a tomada duma província cuja defesa é fraca ou nula, constitui uma vantagem em si mesma, e se basta inspirar ao inimigo receios quanto ao resul­tado geral, esta pode ser considerada como um caminho mais curto para a paz.

Chegamos agora a um outro meio de ponderar a probabilidade de êxito sem que haja derrota das forças armadas inimigas, isto é, as operações que estão em relação directa com a política. Se somos capazes de levar a cabo operações particularmente aptas a romper as alianças do adversário, ou a torná-las inoperantes, cabe-nos a nós fazer novos aliados, suscitar actividades políticas a nosso favor, e assim sucessivamente, facilmente se imagina quanto esses meios poderão aumentar a possibilidade de êxito e conduzir-nos ao objec­tivo bem mais rapidamente do que a derrota das forças armadas do inimigo.

A segunda questão é a de saber como fazer pressão sobre o dispêndio de força do inimigo, isto é, sobre o preço do seu êxito.

O dispêndio de força do inimigo consiste na usura das suas forças, consequentemente na destruição que nós lhe fazemos sofrer, e na perda de províncias, consequentemente na conquista dessas províncias por nós.

Após um exame mais aprofundado parecer-nos-á evidente que o significado destes dois objectivos varia, que as operações que eles designam diferem de carácter em função da finalidade que visam. O facto de habitualmente as diferenças serem ligeiras não deverá confundir-nos, porque, na realidade, quando os motivos são fracos, a mais pequena cambiante muitas vezes basta para nos fazer adoptar determinado modo da aplicação da força de preferência a qualquer outro. De momento, importa-nos apenas demonstrar que, em certas condições, existem outras maneiras de atingir a finalidade, que não constituem nem uma contradição interna, nem um absurdo, nem mesmo um erro.

Além destes dois meios, existem três outras maneiras de aumentar, via directa, os dispêndios de força inimigos. A primeira é a invasão, isto é, a ocupação de territórios inimigos, não com a intenção de os conservar, mas para neles cobrar impostos ou mesmo para os devas­tar. Aqui o objectivo imediato não consiste na conquista do território inimigo, nem na destruição das suas forças armadas, já que ele visa simplesmente infligir-lhe um prejuízo geral. A segunda maneira con­siste em visar de preferência os pontos vulneráveis do inimigo, de modo a prejudicá-lo o máximo possível. Nada é mais fácil de con­ceber do que estas duas maneiras diferentes de orientar os nossos esfor­ços, sendo a primeira de longe a melhor quando se trata de vencer o inimigo, enquanto que a segunda é mais vantajosa quando não está nem estará em questão vencê-lo. Em linguagem corrente, poder-se-á dizer que a primeira é a via sobretudo militar e, a segunda, a mais política. Mas, do ponto de vista mais elevado, ambas são igual­mente militares e cada uma delas só se adapta à finalidade com a condição de corresponder à situação dada. A terceira via, de longe a mais importante pelo número de casos a que se aplica, consiste na usura do inimigo. Não é apenas para fornecer uma definição ver­bal que escolhemos esta expressão, mas porque ela define exacta­mente a realidade, e porque ela tem um sentido menos figurado do que pode parecer à primeira vista. A ideia de usura pelo combate implica um esgotamento gradual das forças físicas e da vontade por meio da duração da acção.

Mas se se quiser perseverar na luta por mais tempo do jque o inimigo, será preciso que nos contentemos com objectivos tão modes­tos quanto possível, porque a própria natureza da realidade implica que um objectivo importante exige um dispêndio de força mais con­siderável do que quando se trata de um objectivo de pouca monta. Ora, o objectivo de mais pequena monta que é possível fixar é a resis­tência pura e simples, isto é, um combate desprovido de intenção positiva. Em tal caso, se os nossos meios são relativamente fortes, o resultado será tanto mais seguro. Mas até onde é que se pode ir nesta via puramente negativa? Certamente que não até à passivi­dade absoluta, porque a pura resistência já não seria um combate; a resistência é uma actividade destinada a destruir uma tal quanti­dade de força do inimigo que este terá de renunciar ao seu desígnio, li is tudo o que pretendemos obter através de cada um dos nossos actos, e é nisso que consiste p carácter negativo da nossa intenção.

Esta intenção negativa, traduzida por um acto único, é incontes­tavelmente menos eficaz do que seria se se tratasse dum acto positivo dirigido no mesmo sentido, na condição de obter êxito; mas a dife­rença consiste precisamente no facto de ela ser mais facilmente bem sucedida do que o acto positivo, e oferecer portante mais garantias. O que uma tal acção perde em eficácia pela unicidade, recupera-o por meio do tempo, isto é, graças à duração do combate; assim, a unicamente com a finalidade de combater no momento e no local oportunos.

Consequentemente, se todos os fios da actividade bélica conduzem ao recontro, consegui-los-emos controlar todos procedendo à preparação dos recontros. Só estes preparativos e a sua execução determinam os efeitos; estes efeitos nunca decorrem das condições imediatas que os precedem. Ora, no recontro, toda a actividade visa a destruição do inimigo, ou melhor, da sua capacidade de combate, porque é nisso que se resume o próprio conceito de recontro. Daí que a destruição das forças armadas do inimigo seja sempre o meio para atingir a finalidade do recontro.

Esta finalidade pode também consistir na simples destruição das forças armadas do inimigo, embora isso não seja de maneira nenhuma necessário e essa finalidade possa ser completamente diferente. Todas as vezes em que o aniquilamento do inimigo não é o único meio para atingir o objectivo político, como já assinalámos, todas as vezes em que a finalidade de guerra que se tem em vista é representada por outra coisa, é evidente que essa outra coisa se torna o alvo de acções específicas, e em seguida o alvo do recontro.

Todavia, mesmo os recontros que, enquanto actos subordinados, são estritamente consagrados ao aniquilamento das forças armadas do inimigo, não têm forçosamente por finalidade imediata a destruição dessas forças.

Quando se pensa na organização complexa duma grande força armada, na quantidade de pormenores que entram em jogo no mo­mento de agir, compreende-se também que o combate de uma tal força supõe uma organização e uma composição complexas em que determinadas partes estão subordinadas a outras. Numa ou outra parte pode e deve surgir uma multiplicidade de objectivos que, por si mesmos, não visam a destruição das forças armadas do inimigo, e que, se é certo que contribuem para essa destruição, todavia só o fazem indirectamente. Se, por exemplo, um batalhão recebe ordem de desalojar o inimigo duma colina ou duma ponte, a ocupação desta posição é geralmente o objectivo real, não sendo aqui a des­truição das forças inimigas senão o meio ou a questão subsidiária. Se é suficiente uma simples demonstração de força para desalojar o inimigo, o objectivo também é inteiramente atingido; mas, regra geral, essa colina ou essa ponte também serão ocupadas para provocar mais perdas nas forças armadas do inimigo. Se é assim sobre p campo de batalha, por maioria de razão também o será sobre o conjunto do teatro de guerra, onde não se trata apenas de um exército que se opõe a outro, mas de Estado, de nações, de países que se opõem. Será preciso, então, multiplicar bastante o número de relações e, consequentemente, de combinações possíveis, e aumentar a diversi­dade das disposições; em consequência da gradação dos objectivos, por virtude da qual cada um se subordina ao outro, o meio inicial afastar-se-á cada vez mais do objectivo final.

Por variadas razões é pois possível que um recontro não tenha por finalidade a destruição das forças inimigas, isto é, das forças que nos enfrentam, e que tal destruição surja apenas como um meio. Em todos os casos, a realização dessa destruição, aliás, já não tem importância, porque então o recontro já não é senão uma prova de força. Não tem nenhum valor em si mesmo, mas sim apenas aquele que se mede em função dos resultados, isto é, da sua decisão.

Mas, em caso de grande desigualdade das forças, uma simples constatação pode indicar qual o grau dessa desigualdade. Em tal caso, o recontro não terá lugar, e o lado mais fraco cederá imediata­mente.

Se os recontros nem sempre visam a destruição das forças inimi­gas neles envolvidas, e se muitas vezes a sua finalidade pode mesmo ser atingida sem que eles se verifiquem, pela simples avaliação do seu resultado e das circunstâncias que daí decorrem, compreen-der-se-á que campanhas inteiras possam ser conduzidas muito activa­mente sem que o combate real ocupe nelas um lugar importante.
Uma centena de exemplos colhidos na história militar prova que assim pode ser. A decisão obtida sem efusão de sangue terá sido sempre justificada, isto é, não terá implicado uma contradição interna? Algumas reputações assim conquistadas conseguiriam resistir à crí­tica? Eis duas questões sobre as quais nos absteremos de fazer comen­tários; tudo o que nos preocupa, para já, é demonstrar que na guerra os acontecimentos podem de facto tomar um curso semelhante.

Em guerra, apenas se dispõe dum meio: o recontro; mas as múl­tiplas maneiras por que ele se pode efectuar introduzem-nos no domí­nio das diversas vias autorizadas pela multiplicidade dos fins, de tal modo que pode parecer que não conseguimos avançar um só passo. Mas na realidade não é assim, porque esta unicidade do meio constitui um fio que nós seguimos com os olhos, que percorre toda u trama de actividade militar e que, de facto, lhe assegura a coesão.

Todavia, vimos que a destruição das forças inimigas é uma das finalidades que pode ser prosseguida pela guerra, sem resolver a ques-tâo de saber qual era a importância dessa finalidade comparada com us outras. Em cada caso específico, isso dependerá das circunstân­cias; quanto ao princípio geral, abstivemo-nos de determinar o seu vulor. Eis-nos de novo reconduzidos a este tema e será com certeza preciso acabar por lhe reconhecer o seu valor.

ü recontro é a única actividade eficaz da guerra; é, no e pelo recontro, que a destruição das forças que^ se nos opõem constitui o meio para alcançar os nossos fins. Constitui tal meio mesmo quando o recontro não se verifica na realidade, porque em todo o caso a decisão se baseia na ideia de que essa destruição está fora de dúvidas. Duqui decorre que a destruição das forças inimigas é a pedra angular ile Ioda a acção de guerra, o último suporte de todas as combinações que repousam sobre ela, tal como o arco sobre os seus pontos de apoio. Toda a acção se ergue pois sobre a ideia de que a decisão obtida pela foiça armada em que ela se baseia, se fosse efectivamente obtida, seria uma decisão favorável. A decisão pelas armas representa para qualquer operação de guerra, grande e pequena, o que o pagamento em espécies representa nas transacções financeiras. Por muito vagas que sejam tais relações, nunca poderá faltar totalmente a liquidação, mesmo que insignificante.

Se a decisão pelas armas está na base de todas as combinações, segue-se que o adversário pode tornar qualquer uma delas ineficaz graças a uma decisão feliz obtida pelas armas, não apenas se se trata da decisão sobre a qual repousa directamente a nossa combinação, mas ainda por meio de uma outra, desde que seja suficientemente importante. Porque qualquer decisão importante da guerra — isto é, qualquer destruição das forças inimigas — se repercute sobre todas as precedentes, pois elas tendem, tal como um líquido, a igualar o seu nível.

A destruição das forças inimigas surge sempre, pois, como o meio superior e mais eficaz perante o qual todos os outros têm de desaparecer.

Contudo, só quando existe pressuposta igualdade em todos os outros domínios é que se atribuirá uma máxima eficácia à destruição das forças inimigas. Cometer-se-ia um grande erro se se concluísse a partir disto que um ataque inconsiderado triunfaria sempre sobre a habilidade prudente. O ataque inábil levaria ao aniquilamento das nossas próprias forças e não às das forças inimigas, e não é isso que procuramos. A eficácia superior não compete ao meio, mas ao fim, e nós limitamo-nos a comparar o efeito de um fim alcançado com um outro.

Temos de acentuar terminantemente que ao falar do poder de combate do adversário nada nos obriga a limitar esta noção à simples força física. Pelo contrário, ela implica outro tanto de força moral, porquanto, e até nos mais pequenos pormenores, ambas estão estreitamente unidas e não poderiam, pois, ser separadas. Acabamos de falar do efeito infalível que uma grande acção de aniquilamento (uma grande vitória) produz sobre todas as outras decisões pelas armas; é precisamente o elemento moral que é o mais fluido, que mais facilmente se expande em todas as suas partes. A destruição das forças inimigas possui um valor superior a todos os outros meios, mas é preciso opor-lhe o preço e os riscos que ela comporta; é só para evitar estes que se .recorre a outros meios.

É compreensível que o meio utilizado tenha de ser custoso, porque em igualdade de circunstâncias o nosso próprio dispêndio de forças há-de ser tanto maior quanto o for a nossa intenção de aniquilamento das forças do inimigo.

Os riscos que este meio comporta residem em que a eficácia superior procurada, em caso de malogro, recai sobre nós e prepara, por conseguinte, ainda maiores inconvenientes.

Os outros métodos são pois menos custosos quando resultam e menos arriscados quando fracassam, com a condição de, naturalmente, só terem de enfrentar métodos semelhantes, isto é, que o inimigo utilize os mesmos que nós; porque, se o inimigo escolhesse a via da grande decisão pelas armas, esse mesmo facto transformaria, não obstante a nossa vontade, o nosso próprio método no seu. Tudo dependerá, portanto, do resultado da acção de aniquilamento; ora, é evidente que, por outro lado e, ainda, em igualdade de circunstâncias, esta acção se voltará contra nós, em todos os aspectos, pois quer as nossas intenções quer os nossos meios estavam em parte orientados em direcção a outros objectivos, o que não se passava com o inimigo. Quando dois objectivos diferentes não fazem parte um do outro, excluem-se mutuamente, e a força utilizada para atingir um deles não pode servir, simultaneamente, para atingir o outro. Por conse­guinte, se um dos dois beligerantes está decidido a empenhar-se na via das grandes decisões pela arma, as suas probabilidades de êxito são consideráveis, mesmo que ele esteja pouco convencido de que o outro não deseja empenhar-se nessa via e que, pelo contrário, prossegue um outro objectivo qualquer; e quem quer que se pro­ponha um desses outros objectivos fá-lo logicamente na convicção de que o adversário tem tão-pouco como ele a intenção de recorrer às grandes decisões pelas armas.

Todavia, quando falamos das intenções e das forças dirigidas num outro sentido, trata-se tãp-só duns outros objectivos positivos susceptíveis de serem prosseguidos pela guerra, à margem da des­truição das forças inimigas, e de modo nenhum da pura resistência a que se recorre para esgotar a força do inimigo. Na resistência pura, fülta a intenção positiva; consequentemente, as nossas forças não podem orientar-se para outros objetivos, apenas são destinadas a fazer fracassar as intenções do inimigo.

Resta-nos aprofundar o lado negativo da destruição das forças inimigas, isto é, a preservação das nossas próprias forças. São dois esforços que andam sempre a par, dado que reagem um sobre o outro; são duas partes integrantes duma só mesma intenção, e bastará exa­minar o efeito produzido pelo predomínio de um ou do outro. A von­tade de destruir as forças inimigas visa o objectivo positivo e conduz u resultados positivos cujo objectivo final será a derrota do inimigo. A conservação das nossas próprias forças visa o objectivo negativo c conduz à destruição das intenções do adversário, isto é, à resistência pura, que nada mais visa do que prolongar a duração da acção, a fim de nela esgotar o adversário. O esforço motivado pelo objectivo positivo provoca o acto de aniquilamento; o esforço motivado pelo objectivo negativo limita-se à expectativa desse acto.

Até onde é que essa expectativa pode e deve ir? É o que exami­naremos mais détalhadamente no capítulo consagrado à teoria do ataque e da defesa, teoria que reencontramos aqui. Para já, contentar-nos-emos em dizer que a expectativa não deverá tornar-se resis­tência puramente passiva, e que a acção a que ela dá lugar pode visar a destruição das forças inimigas empenhadas no conflito, tal como pode visar qualquer outra finalidade. Será portanto um erro de princípio fundamental julgar que o esforço negativo leva a não se escolher por finalidade a destruição das forças inimigas, mas sim a dar a preferência a uma decisão que não implique efusão de sangue. A preponderância do esforço negativo pode evidentemente ter este efeito, mas envolve nesse caso o risco de nno ser o melhor método, o que depende de condições totalmente diferentes, que respeitam ao adversário e não a nós. Este outro método, que exclui a efusão de sangue, não poderá pois ser considerado como o meio natural de conservar as nossas pró­prias forças, objecto da nossa principal preocupação. Pelo contrário, se as circunstâncias não favorecerem um tal desenvolvimento, prova­velmente conduziremos as nossas forças ao aniquilamento total. Muitos generais cometeram esse erro, o que causou a sua perda. O único resultado certo de um esforço negativo preponderante consiste no adiamento da decisão, de modo que a defesa se refugia numa espécie de expectativa do instante decisivo. Geralmente, esta atitude implica o retardamento da acção, tanto no espaço como no tempo, na medida em que este está ligado àquele e na medida em que as circunstâncias o permitem. Quando chega o momento em que tal já não é possível sem grave inconveniente, a vantagem do esforço negativo desaparece para dar lugar ao esforço inalterado necessário ao aniquilamento das forças inimigas, que só um contrapeso tinha relegado para segundo plano sem nunca o suprimir.

As reflexões precedentes mostraram-nos que há muitas maneiras de atingir as finalidades da guerra, isto é, o seu objectivo político, mas que o único meio de a alcançar é o combate, e que por conse­guinte tudo está submetido a essa lei suprema que é a decisão pelas armas; que quando o inimigo a ele recorre de facto, não é possível recusar um tal apelo, e que, por conseguinte, o beligerante que quer empenhar-se numa outra via tem de estar seguro de que o adversá­rio não recorrerá a tal apelo, sob pena de perder a sua causa perante esse tribunal supremo; que, em suma, a destruição das forças inimigas surge, entre todos os jogos da guerra, como aquele que domina sempre tudo o resto.

Quanto ao que pode ser obtido na guerra por combinações de outra ordem, estudá-lo-emos em seguida e naturalmente pouco a pouco. Contentemo-nos aqui em assinalar essa possibilidade em termos gerais, para indicar quanto a teoria difere da prática e qual pode ser a influência das circunstâncias específicas. Mas não podere­mos dispensar-nos de mostrar imediatamente que a solução sangrenta da crise, o esforço tendente ao aniquilamento das foiças inimigas, é o filho legítimo da guerra. Quando os objectivos políticos são pouco importantes, os móbeis fracos e a tensão das forças ligeiras, um comandante prudente e hábil pode servir-se de todas as espécies de vias para tentar abrir um caminho para a paz através das fraquezas caracterizadas do seu adversário no domínio militar e diplomático. Se detiver bons motivos e estes forem capazes de garantir-lhe o êxito, não podemos censurá-lo; todavia, será preciso lembrar-lhe que se trata de um caminho escorregadio, sobre o qual se arrisca a ser surprecn dido pelo deus da guerra, e será preciso recomendar-lhe que não perca o inimigo de vista, para não correr o risco de ter de se defen­der com um florete embotado contra um inimigo armado com um sabre afiado.

As consequências que implica a natureza da guerra, a maneira por que agem os seus fins e seus meios, o modo como na prática ela se afasta e se aproxima do seu estrito conceito original, não sem flutuações mais ou menos grandes, permanecendo submetida a esse conceito estrito como a uma lei suprema — tudo isto se não deve perder de vista, antes deve manter-se constantemente presente no espírito quando se examinarem todas as questões de que falaremos, se se quiser compreender devidamente as suas verdadeiras relações e a sua importância própria sem cair constantemente em contradição flagrante com a realidade e, afinal de contas, consigo mesmo.

LivroVIII - O Plano de guerra
CAPÍTULO IV
Definição mais precisa do objectivo da guerra
A DERROTA DO INIMIGO

O objectivo da guerra deveria sempre ser, segundo o seu conceito, a derrota do inimigo; tal é a ideia fundamental de onde partimos.

Mas em que consiste esta derrota? Ela nem sempre implica necessariamente a conquista integral dos países inimigos. Se os Alemães atingiram Paris em 1792, a guerra com o partido revolucionário teria sem dúvida cessado durante algum tempo, segundo qualquer proba­bilidade humana. Nem mesmo era necessário derrotar primeiramente os seus exércitos, pois esses exércitos não podiam ser ainda conside­rados como o único poder efectivo. Por outro lado, em 1814, os Aliados não teriam tudo ganho apoderando-se de Paris se Bonaparte estivesse ainda à cabeça dum forte exército; mas, como este fora na sua maior parte aniquilado, a captura de Paris decidiu simultanea­mente de tudo, em 1814 e em 1815. Se Bonaparte em 1812 tivesse podido, antes e depois da tomada de Moscovo, destruir compieta-mente o exército russo com 120000 homens na estrada de Kalouga, tal como fizera com o exército austríaco em 1805 e com o exército prussiano em 1806, a posse desta capital teria, segundo qualquer verosimilhança, conduzido à paz, ainda que um imenso território con­tinuasse ainda por conquistar. Em 1805, foi a batalha de Austerlitz que foi decisiva; por conseguinte, a anterior posse de Viena e dos dois terços dos Estados austríacos não bastavam para alcançar a paz. Todavia, por outro lado, mesmo depois desta batalha, o facto de toda a Hungria estar além disso intacta não foi dum peso suficiente para impedir a conclusão da paz. A derrota do exército russo foi o último golpe necessário; o imperador Alexandre não tinha outro exército preparado nas proximidades e a paz foi então a consequência inevitá­vel da vitória. Se o exército russo estivesse sobre o Danúbio com o da Áustria em 1805 e tivesse partilhado a sua derrota, é provável que a conquista de Viena não tivesse sido absolutamente nada necessária e que a paz tivesse sido concluída em Linz.
Existem outros casos em que a conquista integral dum país não chega, como na Prússia em 1807, quando o golpe desferido ao exército auxiliar russo na duvidosa batalha de Eylau não foi suficientemente decisivo e foi necessária a indubitável vitória de Friedland para que se tivesse podido fazer melhor, como no ano precedente em Austerlitz.

Vê-se que também aqui o resultado não pode ser determinado por causas gerais; as causas particulares que nenhum daqueles que não esti­veram presentes conhece, e muitas causas de natureza moral de que nunca se fala, e mesmo as circunstâncias e os acidentes mínimos que são as anedotas da história, muitas vezes são decisivos. Tudo aquilo que a teoria pode dizer a este respeito, é que o ponto essencial é ter em mente as condições que predominam nos dois campos. A partir destas, um certo centro de gravidade, um centro de poder e de movi­mento de que tudo depende, formar-se-á por si próprio, e é contra este centro de gravidade do inimigo que se deve desferir o golpe concentrado de todas as forças.

Aquilo que é pequeno depende sempre do que é grande, o acessó­rio do importante e o acidental do essencial. Eis o que deve orientar a nossa concepção.

O centro de gravidade de Alexandre, o Grande, residia no seu exér­cito, tal como o de Gustave-Adolphe, o de Carlos XII e de Frederico, o Grande, e a carreira de cada um de entre eles teria podido conhecer em breve o seu termo graças à destruição das suas forças combatentes. Nos Estados agitados por dissensões internas, este centro de gravidade reside em geral na capital; nos pequenos Estados que dependem de maiores, ele encontra-se em geral no exército dos seus Aliados; numa Confederação, ele está na unidade dos interesses; numa sublevação nacional, ele é formado pela pessoa do chefe principal e pela opinião pública — e é contra estes pontos que o golpe deve ser dirigido. Se por conseguinte o inimigo perde o seu equilíbrio, não se lhe deve dar tempo para o reencontrar. O golpe deve ser repetido com persistên­cia na mesma direcção; noutros termos, o conquistador deve dirigir sempre os seus golpes contra o todo e não contra uma parte do seu adversário. Não é apoderando-se de uma das províncias do inimigo, com facilidade e graças à superioridade numérica, preferindo a posse mais segura desta conquista sem importância a grandes resultados, mas procurando com paciência o núcleo da potência inimiga, e arriscando tudo para tudo ganhar que se pode abater verdadeiramente o inimigo.
Mas qualquer que seja o ponto central da potência inimiga contra o qual nós devemos orientar as nossas operações, a vitória sobre ele e a destruição do seu exército são o inicio mais seguro e em qualquer caso o elemento essencial.

Julgamos pois que, segundo a maioria das experiências, são antes de mais as seguintes condições que levam à derrota do inimigo:

1.° A dispersão do seu exército, se este forma em certa medida uma potência efectiva.

2.° A captura da capital inimiga, se ela não é apenas o centro do poder do Estado, mas também o foco dos corpos e partidos políticos.

3.° Um golpe efectivo contra o Aliado principal, se ele próprio é mais poderoso que o inimigo.
Até agora, considerámos sempre o adversário em guerra como uma unidade, o que se podia admitir por considerações de natureza

muito geral. Mas, dado que dissemos que o predomínio sobre o inimigo reside no esmagamento da sua resistência concentrada no centro de gravidade, temos de pôr de lado esta suposição e discutir o caso no qual se defronta mais dum adversário.

Se dois Estados ou mais se entendem contra um terceiro, isso não constitui, do ponto de vista político, senão uma única guerra. No entanto, esta unidade política tem também os seus graus.
A questão é a de saber se cada Estado da coligação possui um interesse independente na guerra e uma força independente para a prosseguir, ou se um deles fornece os interesses e as forças sobre os quais os outros se podem apoiar. Quanto mais nos encontramos no último caso, mais fácil c considerar os diferentes inimigos como um só, e tanto mais facilmente se pode simplificar o empreendimento principal num único golpe formidável; e, se podemos agir assim de qualquer maneira, teremos os mais completos e definitivos meios de sucesso.

Só se deveria portanto estabelecer corno princípio quando se pode derrotar todos os seus inimigos ao destruir um de entre eles, a derrota deste último deve ser o objecto da guerra, pois neste caso o golpe atinge o centro de gravidade comum de toda a guerra.

Existem muito poucos casos em que este tipo de concepção seja admissível c em que não se possa operar esta redução de vários centros de gravidade num único. Mas, se é impossível, não existe outra alter­nativa a não ser a de encarar a guerra como duas guerras separadas, ou mais, em que cada uma tem o seu próprio objectivo. Como este caso pressupõe a independência de vários inimigos, e por conseguinte a grande superioridade da sua reunião, o esmagamento do inimigo estará de um modo geral totalmente fora de questão.

Abordemos agora mais particularmente a questão; quando é que um tal objectivo é possível e recomendável?

Em primeiro lugar, as nossas forças militares devem ser sufi­cientes:

1.° Para alcançar uma vitória decisiva sobre as do inimigo;

2.° Para proporcionar o dispêndio de força necessária se se pros­segue a vitória até ao ponto em que o estabelecimento dum equilíbrio já não é concebível.

Em seguida, devemos estar seguros que a nossa situação política é tal que este resultado não excitará contra nós novos inimigos que poderiam, subitamente, obrigar-nos a desviarmo-nos do primeiro.

Em 1806, a França pôde conquistar a Prússia na totalidade, ainda que ao agir assim ela tenha colocado nas suas costas toda a potência militar da Rússia, mas ela era capaz de se defender contra os Russos na Prússia.

A França pôde agir do mesmo modo em Espanha em 1808 face à Inglaterra, mas não face à Áustria. Ela enfraqueceu-se consideravelmente em Espanha em 1809, e teria sido obrigada a abandonar a luta nesse país também se não dispusesse já duma grande superiori­dade física e moral sobre a Áustria.

Estas três condições devem, pois, ser estudadas com cuidado de modo a não perder com a última a causa ganha com as precedentes, vendo-nos condenados às despesas.

Quando se avalia a força dos exércitos e aquilo que se pode rea­lizar com eles, a ideia de encarar sobretudo o tempo apresenta-se por si, como factor das forças, por analogia com a dinâmica, admi­tindo por conseguinte que metade das forças podem realizar em dois anos aquilo que a força total unificada só podia efectivar num ano. Esta opinião que se encontra por detrás dos planos militares, umas vezes abertamente e outras vezes menos claramente, é completamente falsa.
Uma operação militar, como qualquer outra coisa sobre a terra, exige um certo tempo; não se pode ir a pé de Vilna a Moscovo em oito dias, é evidente. Mas não se encontra vestígio na guerra duma acção recíproca, entretanto, e duma força como aquela que se produz na dinâmica.
O tempo é indispensável aos dois beligerantes, e a única questão é : qual dos dois é aquele que, ajuizando segundo a sua posição, tem mais razão de esperar dela vantagens especiais? Será, com toda a evidên­cia — sendo as particularidades da situação de um equilibradas pelas do outro, o vencido — , não sem dúvida devido às leis da di­nâmica, mas das leis psicológicas. A inveja, o ciúme, a inquietude, e talvez mesmo a grandeza da alma, são os mediadores naturais do infortunado. Por um lado eias criam-lhe amigos, e por outro, elas enfraquecem e dissolvem a coligação dos seus inimigos. Por conseguinte, é mais ao vencido do que ao conquistador que a demora tem mais possibilidades de trazer alguma vantagem. Além disso, devemo-nos recordar que para tirar bem partido duma primeira vitória, como já o mostrámos, é necessário um grande dispêndio de forças. Não se deve apenas iniciar esse dispêndio mas mante-lo, tal como uma casa bem posta e com bons criados ; as forças que foram suficientes para nos colocar na posse duma província inimiga, nem sempre chegam para dominar esta nova situação; a pressão sobre os nossos recursos au­menta a pouco e pouco, até que estes sejam insuficientes. O tempo pode assim por si próprio conduzir a uma mudança.

Poderiam as contribuições que Bonaparte impôs aos Russos e aos Polacos em 1812, em dinheiro e outros meios, ter proporcionado as centenas de milhares de homens que ele deveria ter enviado para Moscovo para aí manter a sua posição?

Mas se as províncias conquistadas são suficientemente importantes, se existem nelas pontos essenciais às partes inconquistadas, de modo que o mal, tal como um cancro, se alimente ele próprio, é então possível que o conquistador ganhe mais do que perde não avançando mais para diante. Neste caso, se não vem nenhum socorro do exterior, o tempo pode completar o trabalho assim começado; aquilo que ainda não foi conquistado cairá talvez por si próprio. O tempo pode também tornar-se um factor das suas forças, mas isso só pode acontecer se um retrocesso do elemento conquistado já não é possível, e se uma mudança da sorte a seu favor é inconcebível; se, por conseguinte, este factor das suas forças já não tem nenhum valor para o conquistador, já que ele alcançou o seu objectivo capital, e se passou todo o perigo de crise — em suma, se o inimigo já foi derrotado.

Pelo precedente raciocínio, quisemos mostrar claramente que nenhuma conquista poderia estar demasiado cedo concluída, e que estendendo-a por maiores lapsos de tempo do que é estritamente neces­sário para a levar a bom termo, torná-la-emos mais difícil em lugar de a facilitar. Se este juízo é verdadeiro, então também é verdade que se se é bastante forte para realizar uma determinada conquista, se deve ser igualmente forte para a alcançar duma só assentada, sem etapas intermédias. Evidentemente, não se trata aqui de pausas insigni­ficantes que se fazem para concentrar as suas forças ou para tomar esta ou aquela disposição.
Esta opinião, que considera como essencial à guerra ofensiva o carácter duma decisão rápida e irresistível, arruina, na nossa opinião, todos os fundamentos da teoria que queria substituir à perseguição ininterrupta e sem restrição da vitória um sistema lento e que se diz metódico, considerado como mais prudente e mais seguro. No entanto, mesmo para aqueles que até agora nos seguiram, a nossa afirmação parece tanto, em suma, um paradoxo, opõe-se e combate à primeira vista de tal modo a opinião enraizada como um velho preconceito e repetida milhares de vezes nos livros, que julgámos útil examinar de mais perto as razões aparentes que nos objectam.

Com certeza, é mais fácil alcançar um objecto próximo do que um objecto distante; mas se aquele que está próximo não interessa ao nosso desígnio, não se segue que uma pausa, um tempo de espera nos permita percorrer mais facilmente a segunda metade do percurso. Um pequeno salto é mais fácil do que um grande, mas ninguém concluirá daí que para atravessar um largo fosso se tenha de saltar primeiramente ao centro.

Se examinarmos de mais perto em que se apoia o conceito duma intitulada guerra ofensiva metódica, descobrir-se-á que é geralmente sobre os seguintes elementos:

1.° A conquista das fortalezas que pertencem ao inimigo com o qual nos temos de haver.
2.° A acumulação de provisões necessárias.

3.° A fortificação de pontos importantes, tais como os armazéns, as pontes, as posições, etc...;

4.° O descanso das tropas de inverno e os acantonamentos de repouso;

5.° A espera de reforços para o ano imediato.

Se, para atingir todos estes objectivos, se opera uma paragem formal no curso da acção ofensiva, se se fixa um ponto de repouso no movimento, é porque se supõe que se conquistou uma nova base de operações e que se renovaram as suas forças, como se o nosso próprio Estado seguisse a retaguarda do Exército e como se este encon­trasse um novo vigor quando de cada nova campanha.

Todos estes preciosos objectivos podem tornar a guerra ofensiva mais confortável, mas não asseguram melhor os seus resultados, e na maior parte das vezes não são mais que pretextos para dissimular certas forças contrárias no temperamento do comandantc-chefe e nas indecisões do Gabinete. Tentemos desvendá-los a partir do último.

1.° Espera de reforços; é permitir outro tanto, e poder-se-ia mesmo dizer mais, da parte do inimigo e para seu benefício. Além disso, é natural que um Estado possa dispor tão facilmente num ano de tantas forças militares como em dois, pois o aumento real da força militar no decurso do segundo ano é insignificante relativamente ao conjunto.

2.° O inimigo descansa ao mesmo tempo que nós;

3.° A fortificação das cidades e posições não é trabalho do exér­cito, e por conseguinte, não lhe impõe nenhuma demora;

4.° Com o sistema actual dos exércitos permanentes, os armazéns são mais necessários quando as tropas estão nos seus aquartclamentos do que quando elas avançam. Enquanto se avança com êxito, entra-se incessantemente na posse de depósitos de abastecimento inimigos que ajudam quando o país em si é muito pobre;

5.° A captura das fortalezas inimigas não pode ser considerada como uma suspensão do ataque: é uma intensificação da progressão, e por conseguinte a aparente suspensão que ela implica não é, para falar com propriedade, um caso do género de que falamos; não é nem uma suspensão nem uma atenuação de força; mas que um cerco re­gular, um bloqueio ou a simples observação duma fortaleza qualquer convenha melhor ao desígnio prosseguido, é uma questão que só se pode decidir em função das circunstâncias particulares. De um modo geral só se pode dizer o seguinte: a resposta a esta questão tem de ser inteiramente decidida pela ulterior questão, que consiste em saber se não se corre um risco exagerado contentando-se com um simples bloqueio e prosseguindo o avanço. Se não é esse o caso, e se dispõe ainda de campo suficiente para estender as suas forças, é preferível adiar o cerco formal para o final do conjunto do movimento ofensivo. Deve-se pois ter cuidado em não se deixar levar pela ideia de assegurar imediatamente bem aquilo que foi conquistado, negligenciando deste modo qualquer coisa de muito importante.

Parece, evidentemente, que ao continuar a avançar se arrisca no mesmo instante aquilo que se acabou de ganhar. — Julgamos portanto que nenhuma pausa, nenhum ponto de repouso, nenhuma etapa inter­mediária se conciliam com a natureza da guerra ofensiva, e que quando são inevitáveis, devemos considerá-los como um mal que não torna o resultado mais certo, mas pelo contrário mais incerto; e que, além disso, ao apoiarmo-nos estritamente na verdade geral, se por fraqueza ou por qualquer outra causa foi necessário parar, uma segunda ten­tativa sobre o objecto visado é, regra geral, imposível; mas se esta segunda tentativa é possível, então a paragem não era necessária, e se o objectivo excede as nossas forças desde o início, ele permanecerá sempre inacessível.

Ao dizer que isso parece uma verdade geral, queremos apenas eliminar a ideia que o tempo pode por si próprio proporcionar qualquer vantagem ao assaltante. Mas como as condições políticas podem mudar dum ano para o outro, muitos casos podem produzir-se por esta única razão, constituindo excepção a esta verdade geral.

Parecerá talvez que abandonámos o nosso ponto de vista geral, e que só temos em vista a guerra ofensiva; mas não é esse de maneira nenhuma o caso. Sem dúvida, aquele que pode visar a completa derrota do inimigo não se resolverá facilmente a refugiar-se na defensiva, cujo objecto imediato é apenas a preservação daquilo que se possui. Mas como devemos sustentar absolutamente que uma defesa sem ne­nhum princípio positivo deve ser considerada como uma contradição interna em estratégia tal como em táctica, e como temos de regressar sempre ao facto de que qualquer defesa procurará as forças necessárias para passar ao ataque logo que tenha esgotado as vantagens da defesa, somos porém obrigados a incluir, se possível, no objectivo deste ataque, que é o verdadeiro objectivo da defesa, grande ou pequena, o aniqui­lamento do inimigo, e a afirmar que podem existir casos em que o assaltante, ainda que tenha em vista um objectivo tão grande, pode preferir servir-se em primeiro lugar da forma defensiva. A campanha de 1812 mostra claramente que esta ideia não é estranha aos factos. O imperador Alexandre porventura não pensava, ao empenhar-se na guerra, aterrorizar completamente o seu inimigo, tal como se viu mais tarde. Mas terá sido esta ideia inverosímil? E não era no entanto, muito natural que os Russos começassem a guerra pela defensiva?

Suponhamos um pequeno Estado implicado num conflito com uma potência muito superior, mas prevendo que a posição desta potência piorará todos os anos. Se ele não pode evitar a guerra, não poderá ele beneficiar do tempo enquanto a sua situação não é ainda muito má? Este Estado deve pois atacar, não porque o ataque lhe assegure uma vantagem por si mesmo — ele aumenta mais a disparidade das forças —, mas porque ele tem a necessidade quer de chegar ao ajuste final antes que surja o pior momento, quer de ganhar pelo menos entretanto algumas vantagens sobre as quais ele possa depois apoiar-se. Esta teoria nada tem de absurdo; se este pequeno Estado está comple-tamente seguro que o inimigo saltará sobre ele, pode e deve infalivel­mente servir-se da defesa para obter uma vantagem inicial. Não existe, suceda o que suceder, perigo algum de perder tempo.

Além disso, imaginando um pequeno Estado empenhado numa guerra contra um maior, sem que o futuro tenha a menor influência sobre as suas decisões, se o pequeno Estado é politicamente o assal­tante deve-se então exigir também que ele avance em direcção ao seu objectivo.
Se ele teve a audácia de fixar o objectivo positivo contra um opositor mais poderoso, ele tem também de agir, isto é atacar o ini­migo se este não lhe poupa o cuidado. Esperar seria absurdo, a menos que ele tivesse modificado a sua posição política no momento da execução — o que se produz muitas vezes e não contribui pouco para dar às guerras um carácter indefinido, que o filósofo só tem de explicar.

O nosso exame do objectivo limitado conduz-nos à guerra ofensiva comportando um tal objectivo, e à guerra de defesa. Contamos discutir os dois casos em capítulos especiais, mas primeiramente devemos desviar a nossa atenção numa outra direcção.
Até agora, apenas deduzimos a modificação do objectivo de guerra de razões intrínsecas. Só tomamos cm consideração a natureza da intenção política na medida em que ela é ou não orientada para qualquer coisa de positivo. Tudo o que existe de diferente na intenção política é qualquer coisa de fundamentalmente estranho à guerra; mas no Livro I, capítulo II, «Fins e meios na guerra», já admitimos que a natureza do objectivo político, a vastidão das nossas próprias exigências ou das do inimigo, e o conjunto das nossas condições políticas, têm na realidade uma influência mais decisiva sobre a condu­ção da guerra; devemos pois consagrar especialmente o capítulo se­guinte a este tema.




CAPÍTULO V

Definição mais precisa do objectivo da guerra
(Continuação)

OBJECTIVO LIMITADO

Dissemos no precedente capítulo que entendíamos pela expressão «derrota do inimigo» o fim real e absoluto do acto da guerra, se admi­tirmos que este fim é plausível. Vamos agora examinar o que resta fazer se as condições que deveriam permitir atingir esse objectivo não estão preenchidas.
Estas condições pressupõem uma grande superioridade física ou moral, ou um grande espírito de empreendimento, o gosto pêlos grandes riscos. E se tudo isso falta, o objectivo do acto de guerra só pode ser de duas espécies: ou a conquista de qualquer parte reduzida ou medíocre do território inimigo, ou a defesa do nosso até melhores dias. Este último caso é o mais corrente numa guerra defensiva.

Pode-se decidir sempre se um ou outro destes objectivos interessa num dado caso, recordando a expressão de que nos utilizamos a pro­pósito do último. A espera até ao momento mais favorável implica que se tem alguma razão para esperar a chegada desse momento, e esta espera, a saber, a guerra de defesa, é sempre fundamentada sobre esta perspectiva; por outro lado, a guerra ofensiva, em que se tira partido do momento presente, impõe-se sempre quando o futuro permite entrever uma melhor perspectiva para o inimigo, e não para nós.

O terceiro caso, sem dúvida o mais comum, apresenta-se quando nenhuma das duas partes tem nada de preciso a esperar do futuro, e que por conseguinte, a situação não fornece nenhum motivo de decisão. Neste caso, a guerra ofensiva impõe-se inteiramente àquele que é politicamente o agressor, ou seja, que tem um motivo positivo, pois pegou em armas com esse objectivo, e cada momento perdido sem uma forte razão é outro tanto tempo perdido para ele.
Decidimo-nos aqui a favor da guerra ofensiva ou de defesa por razões que nada têm a ver com a força relativa dos beligerantes, e toda­via pode parecer mais natural fazer sobretudo depender a escolha entre ataque e defesa desta força relativa. Julgamos porém que actuando assim nos enganaríamos. Ninguém contestará a rectidão lógica do nosso simples argumento; mas tem de se ver agora se ele em casos reais não conduz ao absurdo.
Suponhamos um pequeno Estado implicado num conflito com uma potência muito superior, mas prevendo que a posição desta potência piorará todos os anos. Se ele não pode evitar a guerra, não poderá ele beneficiar do tempo enquanto a sua situação não é ainda muito má? Este Estado deve pois atacar, não porque o ataque lhe assegure uma vantagem por si mesmo — ele aumenta mais a disparidade das forças —, mas porque ele tem a necessidade quer de chegar ao ajuste final antes que surja o pior momento, quer de ganhar pelo menos entretanto algumas vantagens sobre as quais ele possa depois apoiar-se. Esta teoria nada tem de absurdo; se este pequeno Estado está comple-tamente seguro que o inimigo saltará sobre ele, pode e deve infalivel­mente servir-se da defesa para obter uma vantagem inicial. Não existe, suceda o que suceder, perigo algum de perder tempo.

Além disso, imaginando um pequeno Estado empenhado numa guerra contra um maior, sem que o futuro tenha a menor influência sobre as suas decisões, se o pequeno Estado é politicamente o assal­tante deve-se então exigir também que ele avance em direcção ao seu objectivo.
Se ele teve a audácia de fixar o objectivo positivo contra um opositor mais poderoso, ele tem também de agir, isto é atacar o ini­migo se este não lhe poupa o cuidado. Esperar seria absurdo, a menos que ele tivesse modificado a sua posição política no momento da execução — o que se produz muitas vezes e não contribui pouco para dar às guerras um carácter indefinido, que o filósofo só tem de explicar.

O nosso exame do objectivo limitado conduz-nos à guerra ofensiva comportando um tal objectivo, e à guerra de defesa. Contamos discutir os dois casos em capítulos especiais, mas primeiramente devemos desviar a nossa atenção numa outra direcção.
Até agora, apenas deduzimos a modificação do objectivo de guerra de razões intrínsecas. Só tomamos cm consideração a natureza da intenção política na medida em que ela é ou não orientada para qualquer coisa de positivo. Tudo o que existe de diferente na intenção política é qualquer coisa de fundamentalmente estranho à guerra; mas no Livro I, capítulo II, «Fins e meios na guerra», já admitimos que a natureza do objectivo político, a vastidão das nossas próprias exigências ou das do inimigo, e o conjunto das nossas condições políticas, têm na realidade uma influência mais decisiva sobre a condu­ção da guerra; devemos pois consagrar especialmente o capítulo se­guinte a este tema.



CAPÍTULO V

Definição mais precisa do objectivo da guerra
(Continuação)



OBJECTIVO LIMITADO


Dissemos no precedente capítulo que entendíamos pela expressão «derrota do inimigo» o fim real e absoluto do acto da guerra, se admitirmos que este fim é plausível. Vamos agora examinar o que resta fazer se as condições que deveriam permitir atingir esse objectivo não estão preenchidas.

Estas condições pressupõem uma grande superioridade física ou moral, ou um grande espírito de empreendimento, o gosto pêlos grandes riscos. E se tudo isso falta, o objectivo do acto de guerra só pode ser de duas espécies: ou a conquista de qualquer parte reduzida ou medíocre do território inimigo, ou a defesa do nosso até melhores dias. Este último caso é o mais corrente numa guerra defensiva.

Pode-se decidir sempre se um ou outro destes objectivos interessa num dado caso, recordando a expressão de que nos utilizamos a propósito do último. A espera até ao momento mais favorável implica que se tem alguma razão para esperar a chegada desse momento, e esta espera, a saber, a guerra de defesa, é sempre fundamentada sobre esta perspectiva; por outro lado, a guerra ofensiva, em que se tira partido do momento presente, impõe-se sempre quando o futuro permite entrever uma melhor perspectiva para o inimigo, e não para nós.

O terceiro caso, sem dúvida o mais comum, apresenta-se quando nenhuma das duas partes tem nada de preciso a esperar do futuro, e que por conseguinte, a situação não fornece nenhum motivo de decisão. Neste caso, a guerra ofensiva impõe-se inteiramente àquele que é politicamente o agressor, ou seja, que tem um motivo positivo, pois pegou em armas com esse objectivo, e cada momento perdido sem uma forte razão é outro tanto tempo perdido para ele.

Decidimo-nos aqui a favor da guerra ofensiva ou de defesa por razões que nada têm a ver com a força relativa dos beligerantes, e todavia pode parecer mais natural fazer sobretudo depender a escolha entre ataque e defesa desta força relativa. Julgamos porém que actuando assim nos enganaríamos. Ninguém contestará a rectidão lógica do nosso simples argumento; mas tem de se ver agora se ele em casos reais não conduz ao absurdo.

Suponhamos um pequeno Estado implicado num conflito com uma potência muito superior, mas prevendo que a posição desta potência piorará todos os anos. Se ele não pode evitar a guerra, não poderá ele beneficiar do tempo enquanto a sua situação não é ainda muito má? Este Estado deve pois atacar, não porque o ataque lhe assegure uma vantagem por si mesmo — ele aumenta mais a disparidade das forças—, mas porque ele tem a necessidade quer de chegar ao ajuste final antes que surja o pior momento, quer de ganhar pelo menos entretanto algumas vantagens sobre as quais ele possa depois apoiar-se. Esta teoria nada tem de absurdo; se este pequeno Estado está comple-tamcnte seguro que o inimigo saltará sobre ele, pode e deve infalivel­mente servir-se da defesa para obter uma vantagem inicial. Não existe, suceda o que suceder, perigo algum de perder tempo.


Além disso, imaginando um pequeno Estado empenhado numa guerra contra um maior, sem que o futuro tenha a menor influência sobre as suas decisões, se o pequeno Estado é politicamente o assal­tante deve-se então exigir também que ele avance em direcção ao seu objectivo.
Se ele teve a audácia de fixar o objectivo positivo contra um opositor mais poderoso, ele tem também de agir, isto é atacar o ini­migo se este não lhe poupa o cuidado. Esperar seria absurdo, a menos que ele tivesse modificado a sua posição política no momento da execução — o que se produz muitas vezes e não contribui pouco para dar às guerras um carácter indefinido, que o filósofo só tem de explicar.


O nosso exame do objectivo limitado conduz-nos à guerra ofen­siva comportando um*tal objectivo, e à guerra de defesa. Contamos discutir os dois casos em capítulos especiais, mas primeiramente de­vemos desviar a nossa atenção numa outra direcção.
Até agora, apenas deduzimos a modificação do objectivo de guerra de razões intrínsecas. Só tornamos em consideração a natureza da intenção política na medida em que ela é ou não orientada para qualquer coisa de positivo. Tudo o que existe de diferente na intenção política é qualquer coisa de fundamentalmente estranho à guerra; mas no Livro I, capítulo II, «Fins e meios na guerra», já admitimos que a natureza do objectivo político, a vastidão das nossas próprias exigências ou das do inimigo, e o conjunto das nossas condições políticas, têm na realidade uma influência mais decisiva sobre a condu­ção da guerra; devemos pois consagrar especialmente o capítulo se­guinte a este tema.

CAPÍTULO VI


a. Influência do objectivo político sobre o propósito militar


Nunca se viu um Estado que partilha a causa de outro Estado tomar esta tanto a peito como a sua própria. Envia-se para a frente um exército auxiliar de força moderada; se não sai vitorioso, o aliado con­sidera terminada a questão, e tenta desembaraçar-se com as menores despesas.
É uma verdade estabelecida da política europeia que os Estados se devem assegurar assistência mútua por uma aliança ofensiva e defen­siva. Não até ao ponto de tomar partido nos interesses e nas querelas do outro, mas apenas até se garantir mutuamente de antemão o apoio dum determinado contingente de tropas, em geral muito medíocre, sem ter em conta o objectivo da guerra ou o alcance dos esforços que faz o inimigo. Num tratado de aliança deste género, o aliado não se considera como empenhado com o inimigo numa guerra, para falar com propriedade, que devia necessariamente começar por uma decla­ração de guerra e acabar por um tratado de paz. Além de que, esta ideia não está fixada em parte nenhuma de maneira clara, e o emprego varia.
A coisa teria uma espécie de consistência, e a teoria da guerra encontraria aí menos dificuldades, se o contingente prometido de dez, vinte ou trinta mil homens fosse inteiramente transferido para o Estado empenhado na guerra, de modo que ele se pudesse utilizar dele conforme o seu interesse; poder-se-ia então considerá-lo como uma'força lou­vável. Mas a prática usual é muito diferente. Habitualmente, a força auxiliar tem o seu próprio comando, que só depende do seu governo, e este determina-lhe o objectivo que melhor convém às meias medidas que ele tem em vista.

Mas mesmo se dois Estados entram realmente em guerra com um terceiro, eles não consideram ambos na mesma medida que o seu ini­migo comum deva ser destruído ou que se deva ser destruído por ele. A questão resolve-se muitas vezes tal como uma transacção comercial. Cada um fica com uma parte na associação até 30000 ou 40000 homens, conforme a grandeza dos riscos que corre ou das vantagens que espera, e age como se não pudesse perder mais que o montante da sua entrada.

Este ponto de vista não é só adoptado quando um Estado vem em auxílio de outro por uma causa que lhe é bastante estranha; mesmo quando eles têm ambos um interesse poderoso e comum, nada pode ser feito sem um apoio diplomático, e as partes contratantes só acordam de um modo geral em fornecer um pequeno contingente especificado, de modo a utilizar o resto das suas forças militares para fins especiais que a política lhes pode destinar.

Esta maneira de considerar as guerras, nas quais se entra na se­quência de alianças, prevalecia largamente, e só numa época muito recente se havia de empenhar em vias naturais, quando o perigo extremo nela lançou os espíritos contra Bonaparte, e um poder sem limites os impeliu para isso no tempo de Bonaparte. Era uma questão mitigada, uma anomalia, pois a guerra e a paz são ideias que por essência não têm gradação. Apesar disso, não era uma simples tra­dição diplomática que a razão podia ignorar, mas uma atitude pro­fundamente determinada pêlos limites naturais e pela fraqueza hu­mana.

Finalmente, mesmo nas guerras conduzidas sem aliados, a causa política duma guerra tinha uma grande influência sobre o método com o qual se a conduzia.

Se só se espera do inimigo um ligeiro sacrifício, podemo-nos satisfazer em ganhar apenas um pequeno equivalente pêlos meios da guerra, e podemos esperar consegui-lo através de esforços moderados. O inimigo raciocina de uma maneira muito semelhante. Mas se um ou outro se apercebe que se enganou nos seus cálculos, e que em vez de ser um pouco superior ao seu inimigo, como ele julgava, é antes um pouco mais fraco, o dinheiro e todos os outros meios assim como o impulso moral necessários a uma grande confrontação faltam muitas vezes. Neste caso, ele arranja-se o melhor que pode, e espera do futuro qualquer acontecimento favorável ainda que a sua esperança não tenha o menor fundamento, ao passo que a guerra entretanto se arrasta frouxamente, como um corpo doente.

Acontece assim que a acção recíproca, o esforço para ultrapassar a violência e o carácter irresistível da guerra, se perdem na estagnação de fracos móbeis, e que as duas partes se movem com uma certa segurança nas esferas mais restritas.

Desde que se permite esta influência do objectivo político sobre a guerra, tal como se deve fazer, não existem mais limites, e pode-se descer até a uma forma de guerra que consiste numa simples ameaça contra o inimigo, e na negociação.

É evidente que a teoria da guerra, se ela é e deve permanecer um estudo filosófico, se encontra aqui em dificuldade. Tudo aquilo que é necessidade no conceito da guerra parece desvanecer-se, e a teoria arrisca-se a carecer de qualquer ponto de apoio. Mas a solução natural aparece em breve. À medida que um princípio moderador ganha influência sobre o acto de guerra, ou melhor, quanto mais se enfraque­cem os móbeis da acção e quanto mais a acção se transforma em resistência passiva, menos intervêm estes princípios directores. Toda a arte militar se transforma em simples prudência cujo objectivo principal será o de impedir o equilíbrio instável de pender subitamente em nosso prejuízo e a semiguerra de se tornar uma guerra completa.

b. A guerra é um instrumento da política

Para aprofundar a contradição que existe na natureza da guerra relativamente aos outros interesses humanos, individuais ou sociais, movemo-nos até agora em todas as direcções, a fim de não desprezar nenhum desses elementos antagónicos; como esta contradição é fun­damentada sobre o próprio homem, a razão filosófica não a pode resolver. Procuremos agora a unidade na qual esses elementos contra­ditórios se reabsorvem na vida prática neutralizando-se parcialmente. Já teríamos dito em que consiste esta unidade, se não tivéssemos jul­gado necessário sublinhar precisamente essas contradições e examinar separadamente esses diferentes elementos. Esta unidade consiste no conceito de que a guerra é apenas uma parte das relações políticas, e por conseguinte de modo algum qualquer coisa de independente.

Sabe-se evidentemente que só as relações políticas entre governos e nações engendram a guerra; mas imagina-se geralmente que essas relações cessam com a guerra e que uma situação totalmente diferente, submetida às suas próprias leis e só a elas, se estabelece nesse momento.

Nós afirmamos, pelo contrário: a guerra nada mais é senão a continuação das relações políticas, com o complemento de outros meios. Dizemos que se lhe juntam novos meios, para afirmar ao mesmo tempo que a guerra em si não faz cessar essas relações políticas, que ela não as transforma em qualquer coisa de inteiramente diferente, mas que estas continuam a existir na sua essência, quaisquer que sejam os meios de que elas se servem, e que os principais filamentos que correm através dos acontecimentos de guerra e aos quais elas se ligam não são mais que contornos duma política que se prossegue através da guerra até à paz.

Poder-se-á conceber as coisas de outro modo? As relações polí­ticas entre nações e governos terão alguma vez cessado com notas diplomáticas? A guerra não será simplesmente uma outra maneira de escrever e de falar para exprimir o seu pensamento? A verdade é que ela tem a sua própria gramática, mas não a sua própria lógica.

Não se pode, pois, separar nunca a guerra das relações políticas, e se tal acontecesse num ponto qualquer do nosso enunciado, todos os filamentos dessas relações seriam de certo modo destruídos e teríamos uma coisa privada de sentido e de intenção.

Esta maneira de ver impor-se-ia mesmo se a guerra só fosse a guerra, o desencadeamento do elemento de hostilidade; pois todos os objectos sobre os quais ela repousa e que determinam o seu sentido fundamental: o nosso poderio, o do adversário, os aliados de que cada um dispõe, o carácter nacional e o sistema de governo, ctc., todos os elementos enumerados no primeiro capítulo do primeiro Livro, não são eles de natureza política, e não dependem eles tão estreitamente de todas as condições políticas que é impossível separá-las dela? — Esta maneira de ver impõe-se duplamente quando se pensa que a guerra real não é um esforço tão consequente, tão extremo na sua aspiração como deve­ria ser segundo o seu conceito, mas qualquer coisa de híbrido, uma contradição em si; como tal, ela não pode portanto seguir as suas próprias leis, mas deve ser considerada como parte dum todo que dele difere, e esse todo é a política.

Ao recorrer à guerra, a política evita todas as conclusões estrita­mente lógicas que resultam da sua natureza; ela preocupa-se pouco com as possibilidades finais, e contenta-se com as possibilidades ime­diatas. Na verdade, introduz-se assim muita incerteza em toda a ques­tão, que se torna por consequência numa espécie de jogo; mas todos os Gabinetes se julgam mais hábeis e perspicazes para este jogo do que os seus adversários e é o que lhes dá confiança na sua própria política.

A política faz, pois, deste elemento todo-poderoso que é a guerra um simples instrumento; do terrível gládio da guerra, que se tem de erguer com as duas mãos e com todas as suas forças para desferir um golpe e um só, ela faz uma ligeira e manejável espada, por vezes um simples florete, utilizando alternativamente golpes, fintas e paradas.

Assim se resolvem as contradições nas quais a guerra arrasta o homem, de natureza tímida; admitindo que esta solução seja uma
delas.
Se a guerra diz respeito à política, ela adoptará naturalmente o seu carácter. Se a política é grandiosa e poderosa a guerra sê-lo-á também, e poderá mesmo atingir o cume onde ela ganha a sua forma absoluta.

Nesta concepção não devemos, pois, perder de vista a forma absoluta da guerra, e a sua imagem deve sobretudo manter-se perma­nentemente à parte.
Só esta concepção da guerra lhe restitui a sua unidade; só ela nos permite considerar todas as guerras como coisas dum único género; só ela dá ao julgamento o fundamento preciso e verdadeiro e o ponto de vista que permitem elaborar e ajuizar vastos planos.

A verdade é que o elemento político não penetra profundamente nos detalhes da guerra. Não se colocam sentinelas e não se manda patrulhar por motivos políticos. Mas a sua influência é completamente decisiva sobre o plano de conjunto de uma guerra, de uma campanha e até mesmo muitas vezes de uma batalha.
É por esta razão que não estávamos apressados em formular a nossa concepção desde o início. Enquanto nos ocupássemos dos de­talhes, ela quase não nos teria ajudado, e ter-nos-ia mesmo distraído numa certa medida; mas desde que se trate dum plano de guerra ou de campanha, ela torna-se indispensável.

No conjunto, nada é mais importante na vida do que encontrar exactamente o ponto de vista de onde as coisas devem ser encaradas e ajuizadas, e de nos apoiarmos nele; pois não se pode apreender a massa dos acontecimentos na sua unidade a não ser de um único ponto de vista, e é só apoiando-nos nele que se pode evitar a inconsistência.
Se não se pode, por conseguinte, admitir que um plano de guerra seja elaborado de dois ou três pontos de vista a partir dos quais se poderia considerar as coisas, do olho do soldado, em seguida do do administrador, do homem político, etc., a questão que se põe então é a de saber se a política deve necessariamente prevalecer, subordinando-se tudo o resto.

Admite-se que a política une e concilia todos os interesses da administração interna, assim como aqueles da humanidade e de tudo aquilo que o espírito filosófico pode conceber de diferente, pois ela em si não é mais que o representante de todos esses interesses face aos outros Estados. Que a política possa ser mal orientada, e tornar-se o melhor servidor das ambições, dos interesses particulares ou da vaidade dos dirigentes, isso não nos diz agora respeito, porque a arte da guerra não pode, em nenhum caso, ser considerada como o seu mentor, e só podemos encarar aqui a política na qualidade de representante de todos os interesses da comunidade inteira.
Consequentemente, a única questão que se põe é a seguinte: quando da elaboração dos planos de uma guerra deverá o ponto de vista político apagar-se perante o ponto de vista puramente militar (se é possível conceber um tal ponto de vista), isto é, deverá ele simultaneamente desaparecer ou subordinar-se-lhe, ou deverá efectivamente o ponto de vista político prevalecer, subordinando-se o ponto de vista militar?


Só se poderia conceber que o ponto de vista político desaparecesse completamente desde o início da guerra se as guerras fossem lutas para a vida e para a morte, uma pura hostilidade. Na realidade as guerras só são, como já o dissemos, manifestações da própria polí­tica. A subordinação do ponto de vista político ao da guerra seria absurdo, visto que foi a política que preparou a guerra; a política é a faculdade intelectual, a guerra só é o instrumento, e não o inverso. Subordinar o ponto de vista militar ao ponto de vista político é, por­tanto, a única coisa que se pode fazer.

Se reflectirmos na natufeza da guerra real, recordando aquilo que dissemos no capítulo II deste Livro, a saber, que qualquer guerra deve ser acima de tudo compreendida segundo a probabilidade do seu carácter e dos seus traços dominantes, tal como se podem deduzir dos dados e das circunstâncias políticas, e que a guerra deve muitas vezes ser considerada — e poderíamos dizer sern receio quase sempre nos nossos dias — como um todo orgânico indivisível, onde por conseguinte cada actividade particular se absorve no todo e encontra assim a sua origem na ideia desse todo, e torna-se então perfeitamente claro e certo que o ponto de vista mais elevado da condução da guerra, de onde derivam os seus caracteres dominantes, só pode ser o da política.

Os planos resultarão deste ponto de vista como de um molde. Compreenderemos e julgaremos mais facilmente e mais naturalmente, as nossas certezas ganharão em força, os nossos motivos serão mais satisfatórios e a história será mais inteligível.
Em todo o caso, deste ponto de vista já não existe conflito natural entre os interesses militares e políticos e, se acaso surgir um, poder-se-á muito simplesmente atribuí-lo a uma compreensão imperfeita. Se a política exige da guerra aquilo que ela não pode dar, age ao contrá­rio das suas premissas; ela tem de conhecer o instrumento de que se vai servir e por conseguinte saber o que é natural e absolutamente indispensável. Mas se a política ajuíza correctamente o curso dos acon­tecimentos da guerra, pertence-lhe inteiramente determinar quais são os acontecimentos e a direcção dos acontecimentos que correspondem aos fins da guerra.
Numa palavra, a arte da guerra torna-se política, no seu nível mais elevado, mas uma política que trava batalha em vez de redigir notas.

Segundo esta opinião, ajuizar dum grande acontecimento militar ou do plano deste acontecimento de um ponto de vista exclusivamente militar é inadmissível e mesmo funesto; na verdade, consultar soldados profissionais a respeito do plano de guerra para que eles dêem uma opinião puramente militar, como o fazem muitas vezes os Gabinetes, é um procedimento absurdo. Mas exigir, com os teóricos, que se confie ao general os meios de guerra disponíveis para que extraia deles um plano de guerra ou de campanha puramente militar é ainda mais absurdo. A experiência geral ensina-nos, além disso, que não obstante a grande diversidade e desenvolvimento do sistema de guerra actual, as grandes linhas de uma guerra foram sempre fixadas pelo Gabinete, ou seja, para falar tecnicamente, por um organismo puramente político e não militar.
Isso resulta plenamente da natureza da coisa. Não se pode elaborar nenhum dos planos gerais necessários à guerra sem um conhecimento íntimo da situação política, e se as pessoas falam, como o fazem fre­quentemente, da influência nefasta da política sobre a condução da guerra, eles dizem, na realidade, qualquer coisa de completamente di­ferente daquilo que desejariam dizer. Não é esta influência, mas a própria política, que se deveria incriminar. Se a política é justa, isto é, se é conforme ao seu fim, ela só pode agir favoravelmente sobre a guerra no sentido desta política; e se esta influência não responde ao seu fim, a sua causa reside numa política errónea.
Só se a política espera efeitos impossíveis de certos meios e me­didas militares, efeitos opostos à sua natureza, é que ela exerce uma influência perniciosa sobre a guerra, prescrevendo-lhe uma determinada marcha. Do mesmo modo que aquele que não fala bem uma língua diz por vezes uma coisa diferente daquela que pretendia, a política dá muitas vezes ordens que não correspondem às suas intenções.

Isso aconteceu uma infinidade de vezes, e isso mostra que um certo conhecimento dos problemas militares não deveria ser dissociado da direcção das questões políticas.
Mas, antes de ir mais longe, acautelemo-nos com uma falsa inter­pretação que se apresenta por si mesma. Estamos longe de sustentar que um ministro da guerra sobrecarregado de papéis administrativos, um engenheiro culto ou até mesmo um soldado bem conhecedor do terreno fariam necessariamente o melhor ministro de Estado de um país em que o próprio soberano não governa. Noutros termos, não queremos dizer que este conhecimento das questões militares seja a principal qualidade dum ministro de Estado; uma força de carácter e uma cabeça notáveis, superiores, tais são as qualidades essenciais que ele deve ter; o conhecimento das coisas da guerra ser-lhe-á for­necido duma maneira ou doutra. A França nunca foi tão mal aconse­lhada em matéria política e militar como o foi pêlos dois irmãos Belle-Isle (Nota: O Belle-Isle, Charles Louis Auguste, Duque de (1684-1761), marechal de França, e Louis Charles Armand (1693-1746), oficial-general francês.) e pelo Duque de Choiseul, ainda que fossem todos três bons soldados.

Se a guerra deve corresponder inteiramente às intenções políticas e se a política se deve adaptar aos meios de guerra disponíveis, só existe uma alternativa satisfatória, dado o caso de o homem de Estado e o soldado não se unirem numa mesma pessoa: é a de fazer entrar o general-chefe no Gabinete, para que este participe nas decisões impor­tantes. Mas isso só é possível se o Gabinete, isto é, o próprio governo, se encontra bastante perto do teatro de guerra, a fim de se poderem solucionar as questões sem perder muito tempo.

Foi o que fizeram o Imperador da Áustria em 1809 e os soberanos Aliados em 1813, 1814 e 1815, e esta disposição revelou-se satisfa­tória.

A influência dum homem de guerra sobre o Gabinete é muito perigosa quando este homem não é o general-chefe; ela raramente conduz a uma vigorosa acção bem fundamentada. O exemplo da França em 1793, 1794 e 1795, em que Carnot dirigia a condução da guerra residindo em Paris, deve ser absolutamente rejeitada, pois só um governo revolucionário pode fazer uso do terror.

Terminemos agora por algumas reflexões sobre a História:

No decurso da última década do século passado, quando se assis­tiu a esta extraordinária subversão da arte da guerra que tornou ineficaz uma boa parte dos métodos de guerra dos melhores exércitos, e que os êxitos militares ganharam um relevo no qual ninguém tinha pensado até então, pareceu evidente que era necessário imputar to­dos os falsos cálculos à arte da guerra. Claro que a Europa, limitada por hábito a um estreito círculo de concepções, ficara surpreendida pelas possibilidades que ultrapassavam este círculo mas que não eram certamente estranhas à própria natureza das coisas.

Os observadores que exprimiram a opinião mais compreensível atribuíram esta circunstancia à influência geral que a política exercia desde há séculos sobre a arte da guerra, em seu grande detrimento, e que a fizera cair na categoria de uma questão mitigada, até mesmo, por vezes, dum simples simulacro. Eles tinham razão acerca do facto, mas não tinham razão em ver nele uma circunstância inevitável nascida do acaso.

Outros pensavam que tudo se podia explicar pela influência mo­mentânea da política particular da Áustria, da Prússia, da Ingla­terra, etc.

Mas não provinha a surpresa real que se apoderou do espírito dos homens de qualquer factor político, mais do que da condução da guerra? Ou seja: as vicissitudes provinham duma influência da política sobre a guerra ou duma política intrinsecamente falsa?

Os extraordinários efeitos da Revolução Francesa no exterior provinham, evidentemente, menos dos métodos e concepções novas introduzidas pêlos Franceses na condução da guerra do que das al­terações no Estado e na administração civil, no carácter do governo, na condição do povo, e assim sucessivamente. Os outros governos formaram uma opinião errada de tudo isso e tentaram manter-se com meios vulgares contra forças dum género novo e dum poderio transbordante: eram erros políticos. Poderíamos nós reconhecer e corrigir estes erros partindo duma concepção puramente militar da guerra? Impossível. Pois ainda que se possa imaginar um estratega assaz filósofo para prever todas as consequências e profetizar possibi­lidades distantes segundo a natureza dos elementos antagonistas, teria sido perfeitamente impossível dar o menor seguimento a seme­lhantes fantasmagorias.

Só uma política que tivesse apreciado correctamente as forças que acabavam de se sublevar em Franca e as novas relações da política europeia teria podido prever os efeitos ligados aos grandes elementos da guerra, e concluído por uma apreciação correcta da extensão dos meios necessários e da sua melhor utilização.
Pode-se pois dizer: os vinte anos de vitórias da Revolução devem ser sobretudo atribuídos à política errónea que os governos lhe opu­seram.

A verdade é que esses erros se manifestaram, em primeiro lugar, na guerra, e os acontecimentos da guerra iludiram completamente as esperanças que a política implicava. Mas se assim foi não é porque a política negligenciasse consultar os seus conselheiros militares. A arte da guerra na qual o homem político desse tempo podia confiar — que resultava das realidades da época e diziam respeito à política do mo­mento, o instrumento familiar que servira até então —,esta arte da guerra, dizia eu, era naturalmente afectada pêlos mesmos erros que a política e não podia portanto corrigir os seus erros. A verdade é que a própria guerra sofrera na essência e nos processos importantes trans­formações que a haviam aproximado da sua forma absoluta. Mas estas alterações não intervieram porque o governo francês se tinha por assim dizer emancipado, libertado dos parapeitos da política; elas provieram duma política transformada pela Revolução Francesa, não só em França mas também no resto da Europa. Esta política empregava outros meios e outras forças que permitiram conduzir a guerra com um grau de energia no qual não se teria podido pensar outrora.
As transformações da arte da guerra são, pois, uma consequência das modificações da política, e longe de ser um argumento a favor da sua separação elas representam, pelo contrário, a prova, bem sólida, da sua, íntima conexão.

Por conseguinte, uma vez mais: a guerra é um instrumento da política; ela traz necessariamente a marca desta política; ela deve avaliar tudo à imagem da política. A condução da guerra é, pois, nas suas grandes linhas, a própria política, que agarra na espada em vez da pena, sem deixar por isso de pensar segundo as suas próprias leis.

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