sábado, 14 de junho de 2008

Michael Collins: o mito irlandês.

Por: Igor Lapsky da Costa Francisco.


A Irlanda é um país onde a cultura celta é bastante presente. Os heróis celtas são lembrados pelas suas histórias de bravuras e emoções, porém, estes heróis são lendas que são contadas através de histórias e de músicas para as crianças pelos adultos.

A questão de nacionalidade irlandesa é bastante complexa: a questão entre Inglaterra e Irlanda é levantada através de séculos. Este artigo procura fazer uma breve explanação desta questão, através da vida de um homem que poderia ser considerado um herói (em certas condições) para o povo irlandês: Michael Collins.

1 – Introdução: o conflito Irlanda - Inglaterra


A Irlanda é um país, que desde 1169, quando um conde normando desembarcou na ilha com 600 soldados, está sob o domínio inglês, e, em 1775, Henrique II passa a controlar de fato a Irlanda pelo Tratado de Windsor. Durante estes 8 séculos, o movimento nacionalista irlandês entrou em ação diversas vezes, especialmente em ocasiões onde a Inglaterra estava em um período de guerras e disputas internas.


Durante a guerra dos cem anos (1337 – 1453) e a Guerra das Duas Rosas (1455 – 1485), o domínio inglês na Irlanda ficou abalado, pois os exércitos estavam sendo enviados para os campos de batalha. Com a tomada do poder pela Dinastia Tudor (séc. XVI), os irlandeses, católicos, foram obrigados a aceitar a imposição da nova religião absolutista: anglicana (protestante).

No século XVII, Jaime I passou a explorar a terra irlandesa, na região do Ulster, de forma discriminatória. A forte exploração e as grandes imposições políticas e religiosas fizeram com que os irlandeses protestassem, chegando a uma rebelião em 1641, fortemente reprimida por Oliver Cromwell. Este seria um dos primeiros conflitos marcantes entre Inglaterra e Irlanda.

Durante a Revolução Francesa e as Invasões Napoleônicas, a Irlanda tentou novamente a sua independência, porém sem resultados positivos.

Em 1858, os irlandeses passaram a se organizar em um grupo que visava uma Irlanda livre, sem interferências inglesas: era o chamado IRB – Irish Republican Brotherhood. Em 1867 o levante feniano (The Fenian Rising), que protestava contra as duras imposições feitas pela Inglaterra, foi reprimido pelas autoridades britânicas que prenderam centenas de pessoas.

Em 1905, foi criado o Sinn Féin (nós sozinhos) que seria um partido mais organizado que luta pela Irlanda até os dias de hoje. Atualmente, a Irlanda está num estado de coalizão entre os lados rivais – Partido Unionista Democrático e o Sinn Féin1.

2 – Michael Collins e o sistema de inteligência irlandês.

Michael John Collins nasceu em 16 de Outubro de 1890, em West Cork. Ele foi um patriota Irlandês , comandante-em-chefe do IRA (Irish Republican Army), além de ter possuído cargos importantes na politica, como Ministro das Finanças no Dáil.

Quando criança morava com seus pais, Michael John Collins e Marienne O’ Brien, e 8 irmãos (sendo ele o mais novo) numa fazenda de 90 acres chamada Woodfield. Segundo Margery Forester, lá ele via muitas pessoas passando por sua terra por terem sido expulsas, com suas casas tomadas, dos grandes centros, fazendo com que o menino Collins estivesse a par, desde criança, dos acontecimentos ocorridos na cidade.

Seu pai era membro do IRB, participou, inclusive, do Feninan Brotherhood, e fazia diversos discursos em West Cork, sendo aclamado por onde passava. Segundo Forester, o pai de Collins era um grande ídolo dele, fazendo com que o filho o seguisse aonde ele pudesse ir.

O lado desbravador e corajoso de Collins foi importante para a criação de sua personalidade, segundo a autora, ele não tinha medo de nada e adorava correr pelos campos sozinho, sem grandes problemas. Ele também era extremamente centrado e gostava de leituras, incentivadas pelo pai.

Após a morte de seu pai, Michael Collins foi mandado para a escola onde teve mais ensinamentos sobre o nacionalismo e cultura irlandesa.

Michael Collins, com 15 anos, foi para Londres procurar uma melhor formação. Lá, ele entrou para o IRB e para a Gaelic League, onde conheceu Frank Thornthon, que seria um dos braços direitos de Collin na luta contra a Inglaterra. Ele era conhecido por ter um grande porte físico e por ser muito bom em Hurling e lutas.

Em 1916, Collins voltou para a Irlanda devido ao novo levante, o Easter Rising2, que os Irish Volunteers3 e o IRB prepararam contra as fortes imposições feitas pela Inglaterra. Os irlandeses chegaram, inclusive, a fazer uma declaração de independência4. O conflito entre os irlandeses, que acreditavam que poderiam ganhar devido ao contexto do país britânico5, e os ingleses foi sangrente, matando centenas de civis e prendendo centenas de pessoas, dentre estas Michael Collins que foi mandado para o País de Gales.

Segundo Margery Forester e Michael Foy, Collins passou a ter uma grande atividade na causa irlandesa depois do levante. Na prisão, ele coordenava os presos a fazerem as greves de fome devido aos maus tratos que sofriam. A personalidade de Collins parece ter refletido bastante o seu comportamento na prisão: centrado, provido de poucos medos, sempre organizado e calculista.

Ao ser solto, Michael Collins volta para a Irlanda e reorganiza o IRB, já que os líderes do movimento ainda estavam presos, ou foram exiliados ou mortos no levante. A sua marca no serviço de inteligência irlandês começou a ser feita neste momento. A sua capacidade de manter segredos guardados e organização foi preponderante para que, em 1917, trabalhando pelo Sinn Féin, montasse um serviço de inteligência e um esquadrão chamado de “Os doze apóstolos”.

O esquadrão tinha por objetivo eliminar membros do RIC – Royal Irish Constabulary, que, segundo Collins era “um exército de ocupação com funções de polícia”6. O RIC era uma importante ponto para a ação de inteligência inglesa na Irlanda, pois reportavam os acontecimentos suspeitos nos distritos irlandeses aos ingleses. Já em Dublin, o grupo que tinha a responsabilidade de reportar os acontecimentos se chamava “G Division”. Ambos os grupos eram atacados constantemente pelos membros da “Squad”, através de emboscadas nas estradas e rápidas intervenções nas ruas.

Em 1920, começou a guerra de independência irlandesa onde os serviços de inteligência iriam funcionar constantemente. Os membros da Squad fizeram muitas vítimas que eram consideradas delatoras, especialmente do RIC.

Em contraponto, os ingleses enviaram veteranos da guerra para “garantir a segurança” na Irlanda. Este grupo era chamado de Black and Tans, por causa de sua roupa preta e cáqui. Eles tinham o objetivo de prender suspeitos e até mesmo eliminá-los. Ao mesmo tempo foi criado o IRA – Irish Republican Army, que, junto com Michael Collins, no qual teria dois grandes aliados no serviço de inteligência: Frank Thornton e Richard Mulcahy, combateriam o grupo inglês.

O auge do sistema de inteligência irlandês foi o Bloody Sunday. Esta ação fez com que a inteligência britânica ficasse desestabilizada na Irlanda, e, assim, os irlandeses poderiam fazer guerra contra a Inglaterra. Como disse Collins: “Without her spies, England was helpless. It was only by means of their accumulated and accumulating knowledge that the British machine could operate7.” e ainda completa: “Without their police throughout the country, how could they find the man they wanted?”8. Segundo Margery forester e Michael Foy, Collins era tão intocável que ele comandava a guerra irlandesa numa bicicleta pela cidade.

("Sem espiões, a Inglaterra fica desarmada. Foi apenas por meio de sua acumulação e acumulação conhecimentos que os britânicos poderiam operar sua máquina" . E ainda completa:"Sem a sua polícia ao longo de todo o país, como poderia encontrar o homem que eles queriam?")


Em 1921, os ingleses decidem fazer um acordo para dar fim à guerra9. O acordo foi assinado e causou controvérsias entre a população e o governo10, já que a Irlanda seria livre se as 6 províncias do Ulster (parte norte) ficasse sob domínio inglês. A divisão da Irlanda começou neste ponto. Collins, ao concordar com o acordo, formulou a famosa frase:

- “...I tell you, I have signed my death warrant.” (Eu te digo, Eu assinei a minha senteça de morte.)

A população ficou dividida entre pró e anti-acordo. O IRA se dividiu em duas facções: os pró-acordo e os anti-acordo ou Irregulares. A cidade de Dublin se dividiu claramente, até que, em 22 de Junho, quando ocorre a explosão do Four Courts Building11. A Guerra Civil Irlandesa começaria neste ponto. Collins, na época Comandante-em-chefe do Exército Nacional nomeado pelo então presidente do Governo Provisório Arthur Griffith, usou táticas de guerrilha e o sistema de inteligência para confrontar os Irregulares. Em 12 de Agosto, o presidente morre e assume Collins.

No dia 20 de Agosto de 1922, Collins resolve voltar à sua terra natal para negociar com a facção rival o fim da guerra, já que o povo sofria com a dura guerra. Dois dias depois collins foi pego numa emboscada num local conhecido como Beal na mblath e morto12. Até hoje existem controvérsias de quem o matou. O corpo do “Grande Camarada” foi mandado de volta à Dublin e enterrado em Glasnevin.

28/06/1922 – 24/05/1923.

Combantentes:


“Irish Free State” “Irish Republican Army”

Exército Nacional Irlandês X Exército Republicano Irlandês

(pró-acordo – Regulares) (anti-acordo – Irregulares)


Antecedentes:

- Acordo anglo-irlandês: 01/1922

Explosão do Four Courts Building: 22/06/1922.

A Guerra:

-A batalha de Dublin: 28-30/06/1922.

22/08/1922: Morte de Michael Collins.

10/1922: Eamon de Valera construiu o seu próprio governo republicano em oposição ao Free State, mas o IRA não deu importância e o governo de Valera não teve nenhuma autoridade sobre a população.

17-24/11/1922: Execuções do IRA feitas pelo Free State

07/12/1922: Em represália, o IRA assassina o membro do parlamento Sean Hales. No mesmo dia, 4 republicanos – Rory O’ Connor, Liam Mellows, Richard Barett e Joe McKelvey – foram executados por vingaça à morte de Hales.

02/1923: Liam Deasy, líder republicano, já está encurralado pelo Free State. A vitória seria inalcançável.

04/1923: Frank Aiken assume o controle do IRA.

30/04/1923: Frank Ainken comanda o cessar-fogo na maioria do exército.

24/05/1923: Rendição do IRA e a prisão de centenas de membros anti-acordo. Fim da Guera Civil. Algumas execuções ainda aconteceram após este momento.

Anistia: 08/11/1924.


3 – Conclusões:

O conflito Irlanda-Inglaterra estendeu-se devido a um péssimo planejamento de colonização inglesa naquela região. A região norte (Ulster) foi a parte colonizada, e, até hoje, está em poderes da Inglaterra. As dificuldades internas e externas, como Revoluções, guerras, etc, que os britânicos passaram nestes 9 séculos podem ter sido um dos fatores fundamentais para uma espécie de “abandono”de regiões como Kerry e Cork, que se situam ao sul da Irlanda. As duras imposições feitas aos irlandeses fizeram com que o sentimento nacionalista se exaltasse entre eles.

Michael Collins foi um grande homem para a Irlanda. Sua personalidade forte e a sua criação foram preponderantes para os seus atos como líder. Tem-se a impressão de que ele foi criado para ser o que ele foi, por causa dos seus contatos, desde criança conhecia pessoas do IRB e ouvia os discursos dela, e da influência que seu pai teve em sua vida.

O sistema de inteligência implantado por Collins foi muito eficiente. Porém, não deve ser diminuída a participação do povo irlandês para a causa. Muitas pessoas abrigavam agentes da inteligência de Collins em suas casas ou não delatavam seus esconderijos para os ingleses. Outro fator importante para o sistema de inteligência irlandês foi a grande baixa que o RIC sofreu com os ataques feitos sob a liderança de Collins.

A Inglaterra pecou ao subestimar o líder irlandês. Michael Collins era um ser provido de pensamentos de tática e inteligência que levaram os ingleses a propor um acordo no fim da guerra de independência, que, foi uma grande derrota para a Rainha. Tal derrota nota-se pela posição da Inglaterra de mandar contingentes femininos para Guerra de Independência, com o intuito de reforçar a polícia13.

A Irlanda atualmente conta com a política para fazer com que a independência completa do país seja aceita. Ação importante, pois, durante 80 anos desde a criação do IRA, muitas pessoas inocentes foram mortas por atos terroristas e também por forças britânicas devido à causa da independência que, pela morte de Collins, perdeu o seu grande herói.

Notas:

1 Jornal O Globo 9/5/2007: “Inimigos se unem na Irlanda do Norte”.

2 http://www.ireland.com/newspaper/archive/1916/0502/Pg002.html. Acesso em 22/02/2008.

3 Grupo formado por irlandeses que pensavam numa Irlanda livre. Deste grupo, que, mais tarde surgiria o IRA – Irish Republican Army.

4 A declaração de independência foi assinada por Thomas Clarke, Sean Mcdiarmana, Pádraic Pearse, James Connoly, Thomas MacDonagh, Eamonn Ceannt e Joseph Plunkett.

5 A Inglaterra, em 1916, estava em guerra com a Alemanha. Os irlandeses aproveitaram esta guerra para fazer uma aliança com os alemães, que cederiam armas, munições e algum contingente para o Easter Rising. O homens que trataram deste acordo foram Joseph Plunkett e Roger Casement. O navio sairia da Alemanha com uma bandeira da Noruega, podendo assim passar pelo bloqueio inglês. A missão falharia devido à falta de comunicação entre a Irlanda e o navio, que ficou parado em frente ao ponto combinado uma série de dias. A marinha britânica suspeitou desta manobra, abordando o navio, que ao ser abordado, explodiu toda a carga que continha nele.

6 Forester, Margery. Michael Collins: The Lost Leader. Gill & Macmillan, Dublin: 1989. P.70

7 “Sem os seus espiões, Inglaterra estava sem ajuda. Só com o conhecimento que foi acumulado e o que estava se acumulando que a máquina britânica poderia funcionar.”. DWYER, T. Ryle. Tans, Terror and Troubles: Kerry's Real Fighting Story, 1913-23. Dublin: Mercier, 2001.

8 “Sem a sua polícia pelo país, como ele poderiam achar o homem que eles procuram?”. .”. DWYER, T. Ryle. Tans, Terror and Troubles: Kerry's Real Fighting Story, 1913-23. Dublin: Mercier, 2001.

9 http://www.ireland.com/newspaper/archive/1921/0711/Pg003.html#Ar00301. Acesso em 22/02/2008.

10 Todos os debates podem ser vistos em: http://historical-debates.oireachtas.ie/en.toc.dail.html . Acesso em 22/02/2008.

11 O exército irregular tomou o Four Courts Building sob forma de protesto pelo Acordo anglo-irlandês. Devido à fortes pressões do governo inglês, Michael Collins Bombardeou o prédio, sendo este fato o estopim da guerra civil irlandesa.

12 http://www.ireland.com/newspaper/archive/1922/0823/Pg005.html .Acesso em 22/02/2008.

13 Segundo dados do Serivço de Polícia Metropolitano, o primeiro contingente de mulheres policiais inglesas foram enviadas à Irlanda. http://www.met.police.uk/history/women_police.htm. Acesso em 22/02/2008.

Bibliografia:

Forester, Margery. Michael Collins: The Lost Leader. Gill & Macmillan, Dublin: 1989.

DWYER, T. Ryle. Tans, Terror and Troubles: Kerry's Real Fighting Story, 1913-23. Dublin: Mercier, 2001.

FOY, Michael T. Michael Collins's Intelligence War: The Struggle Between the British and the IRA, 1919-1921. Sutton Publilshing 2006

BARKER, A. J. Irlanda sangrenta - Bleeding Ireland. Trans. Edmond Jorge. RJ: Renes, 1979.

Fontes:

http://www.ireland.com/search/timeline.html
http://historical-debates.oireachtas.ie/en.toc.dail.html
http://www.met.police.uk/
Jornal O Globo. Edição de 9/05/2007.

FRANCISCO, I.L.C. Michael Collins: o mito irlandês. Rio de Janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 3, n. 04, Rio, 2008. [ISSN 1981-3384]

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